Uma leitura
de férias.
Esse era o
interesse pelo livro recomendado por uma amiga. "Fifty Shades of
Grey" seria uma leitura relaxante, um romance denso, apimentado pelo
erotismo da narrativa. A esperança é de que seria o alento para derrubar as
tristes experiências de um setembro afetivamente tenebroso.
"Cinquenta
Sombras de Grey", não me surpreendeu pela intensidade erótica, tão
debatida com as amigas e entre as amigas das amigas. De uma forma ou de outra,
a maior parte dos adultos, que esteja bem resolvida sexualmente, já viveu, pelo
menos em intensidade, um relacionamento parecido com o de Anastacia Steele e
Christian Grey. O que mexeu intensamente comigo foi a
estória, afinal, não somos todos sujeitos de sombras desconhecidas dos outros e
de nós mesmos?
Somos todos
iniciantes quando se trata de amor. Tudo começa num encontro... O olhar que
revela o interesse. O primeiro passo em direção ao estranho e desconhecido.
Perguntas e respostas superficiais. Tímidos vislumbres de cores e sombras. O
toque que revela o desejo e a afinidade dos corpos. E, por fim, o
reconhecimento de almas ... Não é assim que se instala o que convencionamos
chamar de amor?
Com sorte,
teremos algum tempo para aprender todas as nossas nuances e as daqueles a quem
amamos, sem ela, o tempo é nosso inimigo. Antes que possamos descobrir quanto
da dor do outro nos afeta em sofrimento e como seremos capazes de lidar com os
medos que essa dor nos desperta, a fragilidade do afeto em nascedouro rompe os
laços do amor iniciado. Quanto mais experiências de dor acumulamos, mais nos
é difícil ignorar o medo de sofrer.
O
conhecimento ... Uma maldição bíblica, que nos coloca a difícil escolha de
discernir (consciente ou inconscientemente) entre o bem e o mal que queremos
para nós mesmos. A difícil escolha pelo risco de sofrer um desconhecido
sentimento que nos confunde e nos fragiliza e contraditoriamente nos fortalece
e alimenta emocionalmente para a vida em todas as suas cores. Frente ao vislumbre
do amor se coloca a possibilidade de viver intensamente o que vier ou fazer
morrer intensamente a possibilidade do vir a ser.
Não seria
mais fácil se todos aqueles apegados à dor trouxessem consigo, tal qual o
apaixonante Mr. Grey, a lista de suas esquisitices e a clareza de que as sombras
de suas almas os fazem ter o desejo de machucar quem mais querem amar? Quem
sabe assim, um contrato de relacionamento, que vai se desfazendo e refazendo
frente ao fortalecimento da cura pudesse ser entendido como o caminho do que se
constrói como amor, reformulando o que se convencionou dizer o que é o amor.
É preciso
estar empenhado em desejar o diferente para fazer acontecer. O sentimento se
acostuma com o conhecido hábito de sofrer e esquece o caminho dos pequenos
vislumbres de felicidade que só a convivência amorosa e a ousadia de ultrapassar
todos os limites de segurança promovem. “This reminded me of a happy time”, escreve
Anastacia ao despedir-se. Essas palavras lembram o tempo em que a inocência da crença
do amor inabalável e eterno não tinha sido destruída pelas experiências de um
amor incondicional que fracassou. E se era incondicional ... que condição o
retirou de sua certeza de permanência e o fez fracassar?
O que dizemos
querer e o que expressamos por meio de nossa partes sombrias ... Somos sábios
sem saber. O que nos ameaça nos assusta e o que nos assusta nos ameaça. Sofremos
porque não sabemos viver sem o outro ou a dor se torna nosso modo de viver e
nos faz sofrer nos afastando dos outros?
Se o amor os
colocar frente à frente ... Os doloridos se reconhecem. Conhecem desconhecendo
as possibilidades da cura de suas dores e buscam no que viveram (no passado) o
meio para lidar com o desconhecido caminho que se apresenta. Bem dizia S. Freud,
aquele que sofre está em sofrimento por sofrer de reminiscências ...
Amadurecer é
fazer a escolha por se desapegar daquela antiga forma de resolver as coisas que
não funciona, é se propor a refletir sobre o que de nós afeta quem nos importa
e construir o novo. E isso é sombriamente assustador... Por vezes, fugir
do amor dói menos do que se arriscar e desapegar da dor com a qual convivemos ...